sexta-feira, 27 de maio de 2011

Ensaios Fotográficos

Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:


Madrugada, a minha aldeia estava morta. 
Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Lá o silêncio pela rua carregando um bêbado. 
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.


Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado.
Fotografei o perfume.


Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.


Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakoviski – seu criador. Fotografei a nuvem de calça e o poeta. 
Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
Mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.


Manoel de Barros


Poeminhas pescados numa fala de João



I
O menino caiu dentro do rio, tibum,
ficou todo molhado de peixe...
A água dava rasinha de meu pé.


II
João foi na casa do peixe
remou a canoa
depois, pan, caiu lá embaixo
na água. Afundou.
Tinha dois pato grande.
Jacaré comeu minha boca do lado de fora.


III
Nain remou de uma piranha.
Ele pegou um pau, pum!,
na parede do jacaré...
Veio Maria-preta fazeu três araçás pra mim. Meu
bolso teve um sol com passarinhos.


VIII
Você viu um passarinho abrido naquela casa que ele
veio comer na minha mão?
Minha boca estava seca
igual do que uma pedra em cima do rio


IX
Vento?
Só subindo no alto da árvore
que a gente pega ele pelo rabo...


Manoel de Barros
COMPÊNDIO PARA USO DOS PÁSSAROS, 1960

Amarrando o tempo no poste

"o tempo só anda de ida.
a gente nasce cresce amadurece envelhece e morre.
Pra não morrer tem que amarrar o tempo no poste.
Eis a ciência da poesia:
Amarrar o tempo no poste".

Manoel de Barros